COMO TARGINO, O MENINO ALENTEJANO, OUSOU IR DE AUTOCARRO A GUIMARÃES PELA MÃO DO PAI, PARA, DEPOIS SOZINHO, ENTRAR NUMA NOVA REALIDADE...

Terá sido um dos talentos vitorianos de quem mais se esperou desde o início do século XXI... e que foi incapaz de concretizar tudo aquilo que dele se esperava, fosse pelas lesões, fosse pelos sortilégios do futebol que são tantas vezes inclementes.

Todavia, para a história chegar aí, tudo teve um início. Longe de Guimarães, mais propriamente em Beja, no Bairro do Texas. Um bairro problemático, onde os meninos começam a lidar com todas as tentações, ainda que como confessou em entrevista ao jornal Expresso de 04 de Maio de 2019, "nunca peguei num cigarro na minha vida, porque tinha um objectivo." Mas, apesar dessa autodeterminação sempre patente, lidaria com os flagelos da juventude, e que lhe haveriam de levar o padrinho já Tiago era um homem com nome consolidado no futebol.

Para se manter afastado dessas tentações, optou por uma companheira inseparável: a bola, aquela que fizera o seu pai Hilton abandonar o Brasil, viajando para Portugal, atrás do sonho, ainda naquela idade em que se acredita poder "comer o mundo, se tivermos muita vontade para levar essa tarefa a cabo"... E, assim, com "oito ou nove anos", ainda com o sonho de ser astronauta a competir com o do futebol, entraria nas escolinhas do Desportivo de Beja, onde agarraria o número 10, o sinónimo de estrela de qualquer equipa, para integrar um onze com outros nomes que se fizeram homens no futebol nacional, inclusivamente com passagem pelo Vitória: os manos Aurélio, Luís e João.

Neste momento, o talento do menino já não deixava os responsáveis do Desportivo indiferentes. Sentiam que este podia chegar a altos patamares, singrar ao mais alto nível, ou pelo menos tentar que isso se tornasse realidade. Deste modo, "como quem tem boca, vai a Roma" bastou pegar no telefone. Assim, o irmão de José Romão, bejense de nascimento, antigo jogador vitoriano e radicado em Guimarães, haveria de ligar-lhe, chamando-lhe a atenção para as qualidades do diamante que tinha em mãos. Alguém diferenciado, que se distinguia dos demais meninos da sua idade, mas que, acima de tudo, merecia uma oportunidade num clube como os Conquistadores. Apesar de ser iniciado, iria ser testado nos juvenis. Com o coração a transbordar de ilusão, acreditando que poderia mudar a sua vida bem como a dos seus "Fui com o meu pai, que nunca tinha tido carro, nem carta, fomos os dois de autocarro de Beja a Guimarães, com a esperança de poder realizar o meu sonho."

Um sonho que mereceu as primeiras dúvidas quando percebeu que "havia miúdos de todo o lado do mundo, não era só de Portugal, eram uns 60 miúdos logo na primeira semana.", pelo que "Senti que iria ser muito difícil, que provavelmente no meio de tanta gente a minha sorte iria ser mínima." Por isso, "Quando cheguei a Guimarães, vi que era outro nível e percebi que se calhar a minha qualidade não bastava, tinha de trabalhar, tinha essa noção. Tinha de fazer algo mais para poder convencer e vencer."

Além disso, havia a certeza que se ficasse, para singrar, para ser alguém, tal teria de ocorrer sozinho, sem o apoio dos seus pais que teriam de continuar a vida no Alentejo. Tal foi-lhe dito logo pelo seu progenitor, acrescentando que só poderia permanecer junto dele durante uma semana pelo que "Disse-me logo: “Se ficares, ficas ,mas eu vou-me embora. Se não ficares, descemos os dois”. Num apartamento disponibilizado pelo clube onde pai e filho pernoitavam, fazendo as refeições numa cantina, cabia ao jovem Tiago convencer os responsáveis do clube durante essa semana... o que significaria que iria ter de ficar sozinho, num clube novo, numa cidade que não conhecia e com companheiros que nunca vira.

Por isso, teria de se abrir. De olhar para quem como ele corria atrás do sonho. Ficaria com " ... outros rapazes que tinham ultrapassado a primeira fase. Dois cabo-verdianos, um açoriano e um de Viana do Castelo.", com quem começaria a integrar-se na cidade que hoje já é a sua. Assim, "Íamos passear para o shopping, andávamos por lá a brincar. A gente jogava à bola no parque antes dos treinos, chegávamos aos treinos praticamente com o aquecimento feito."

Até que chegou o dia do veredicto para os jovens à experiência, que no início das provas eram 60, depois na segunda semana metade e, naquele momento, muito menos. Muito menos e na cabeça do jovem Tiago com um sinal de ter fracassado pelo facto do seu nome ter ficado para o fim, pois "Fiquei para último porquê? Normalmente os que ficam para último são mandados embora, pensava eu. Tinha na cabeça isso, se vou para último é porque não fico."

Porém, da conversa com o treinador Vítor Baptista resultaria um diálogo surpreendente, assim narrada pelo antigo jogador: "...vira-se para mim e pergunta: “Miúdo, tens telemóvel?”; “Sim, tenho”; “Tens saldo?”; “Acho que tenho”; “Então liga para a tua mãe e avisa que vais ficar por Guimarães." Assim o faria, para a progenitora e seu eterno porto de abrigo, desabar em lágrimas. Na verdade, o seu menino de sorriso traquina e de espírito irrequieto, "Ia sair de casa mas ao mesmo tempo ia concretizar o meu sonho."; um sonho que lhe iria valer 350 euros mensais, que iria, como confessou, investir em "duas ou três t-shirts, umas calças, umas sapatilhas e ficava sem nada [risos]. Tínhamos a cantina, um passe para ir à escola e tínhamos onde dormir…" E assim seria até aquele dia 12 de Dezembro de 2004, onde em Penafiel, haveria de estrear-se no futebol dos grandes... mas isso já será outra história!

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