Falar de Augusto Silva é mencionar um homem que viveu uma montanha-russa na sua vida, mas que acabou por ter a mais bela das recompensas: o amor e carinho dos dois clubes que representou, bem como dos adeptos destes. E, isso, talvez, será o mais belo na carreira de um futebolista...
Mas, voltemos à montanha-russa que começou na miséria que o fez viajar de Barcelos para Guimarães para viver na casa do seu tio, Silva, na altura guarda-redes do Vitória, que o acolheu para dele fazer um homem.
Além disso, o menino que, enquanto ia desempenhando as funções de serralheiro, começou a sentir um inelutável fascínio pela bola, ao ponto de ingressar nas camadas jovens do Vitória, distinguindo-se dos demais companheiros de equipa pela sua qualidade de jogo, pelo modo de o entender, quase podendo dizer-se estar à frente dos seus tempos.
E seria nos Conquistadores que atiçaria o desejo dos emblemas mais titulados do futebol nacional, já depois de ter marcado o golo, frente ao FC Porto, que garantiu a manutenção dos Conquistadores na primeira divisão no final da época de 1961/62.
Depois de intensa pugna optaria por assinar pelo Benfica, num negócio em que conjuntamente com o seu colega de equipa, Pedras, garantiu extraordinário retorno financeiro ao Vitória, bem como a chegada de elementos, como Mendes, Peres ou Manuel Pinto que haveriam de ser importantes durante uma década no Vitória.
Contudo, Augusto Silva, infelizmente, não duraria tanto tempo no Benfica. A vida havia de ser-lhe madrasta, na banheira de um quarto de hotel em Santiago do Chile, onde a sua equipa se encontrava alojada, no decorrer de uma digressão de final de época. Bastará atender ao título do jornal A Bola em alusão ao sucedido, para percebermos a gravidade do ocorrido, que escreveu "Acordar morto para o futebol."
Na verdade, seria descoberto pelos seus colegas de equipa desfalecido, sendo levado para o hospital com toda a comitiva em choque, desesperada pela inesperada dor de uma situação que ninguém cogitara e que faria com que o infortunado jogador estivesse internado durante um mês.
Salvar-se-ia o homem que haveria de chegar ao aeroporto lisboeta, recebendo, de imediato, o abraço do seu pequeno filho e tentaria, em voz arrastada, explicar o funesto acontecimento: “Ao acordar, por volta das 10h30, senti qualquer coisa no braço direito, estava dormente, cocei-o, mas não o senti. Não me preocupei, fui para o duche, mas...”
Perdido para o futebol, o Benfica não o deixaria abandonado. Integrá-lo-ia nos seus serviços administrativos para poder sentir-se útil, estar perto daquilo que mais amava (o futebol) e, acima de tudo, poder continuar a sustentar a família.
Porém, em Abril de 1971, os dois únicos clubes que Augusto Silva conhecera (Conquistadores e Águias) juntar-se-iam para homenagear aquele que fora o ídolo dos adeptos de ambos. Como escreveu o jornal Notícias de Guimarães de 24 de Abril de 1971, "a sua festa, levada a cabo por iniciativa dos seus antigos companheiros do Vitória, com o patrocínio deste clube e a colaboração do Benfica" seria marcante, sendo que, para isso ter acontecido, muito ajudou "o público que compareceu em número elevado, interessou-se pelo espectáculo e aplaudiu calorosamente o jogador cujo infortúnio mostrou bem sentir."
Falemos, agora, do espectáculo a que esta apaixonada moldura humana assistiu. Assim existiram dois desafios, um entre as equipas actuais de ambos os clubes (ainda que o emblema lisboeta estivesse a actuar sem os seus atletas internacionais, que estavam ao serviço da equipa das Quinas) e outro entre veteranos dos dois emblemas. Venceriam os encarnados as duas partidas, a dos mais velhos por quatro a dois, com grande exibição de José Augusto, e na dos jogadores em actividade por dois a um.
Independentemente do resultado das partidas, que era o que contava menos, o momento mais emocionante ocorreria através do homenageado. "Jogando cerca de 10 minutos, o infortunado atleta ainda fez o gosto ao pé, com alguns remates que o público soube aplaudir." Ao sair de campo, levou a cabo um gesto a indiciar a união entre os dois emblemas. Assim, "despiu a camisola do Vitória que envergava e mostrou-se equipado com a do Benfica, sendo saudado com enternecimento por todos os presentes."
Augusto Silva receberia, ainda, flores e presentes, demonstrando o quanto era respeitado, ficando na memória de todos as palavras de Hélder Rocha, que era o presidente do Vitória aquando da sua venda ao Benfica: "Festa específica, em conclusão. Mas frise-se que não é ímpar no meio desportivo de Guimarães.Já cá enaltecemos Francisco Costa, levado por morte prematura; já cá ajudamos António Silva, vítima de pertinaz doença, tio, precisamente, do homenageado de hoje." Por isso, "está-nos, talvez, na índole ser bons, ter o coração aberto, dar lenitivo às vicissitudes que afligem quem estimamos."
Augusto Silva ficou até hoje no coração dos adeptos de ambos os emblemas...

