COMO UM GOLO ANULADO FEZ INCENDIAR O CALDEIRÃO VITORIANO, NUM ESCALDANTE DERBY PERANTE O BOAVISTA... E ONDE VÍTOR CORREIA, ALFREDO E O COMISSÁRIO CUSTÓDIO FORAM VILÕES, LEVANDO A UM CASTIGO ÚNICO NO FUTEBOL PORTUGUÊS!


Estávamos no início de 1988, no último dia do mês de Janeiro.

O Vitória, orientado por António Oliveira, longe do fulgor do ano transacto, recebia o Boavista num importante jogo para tentar aproximar-se do objectivo europeu, já que o sonho, pouco escondido, da conquista do campeonato nacional já era uma miragem

Assim, era importantíssimo vencer, apostando António Oliveira numa equipa constituída por Lopes; Costeado, Miguel, Nené, Carvalho; Nascimento, Rui Vieira, Adão; Kipulu, Ademir e Caio Júnior.

O jogo, esse, não chegaria ao fim. Com efeito, depois dos boavisteiros terem-se adiantado no marcador no final da primeira parte, o Vitória haveria de marcar um golo no último quarto de hora da partida. Um golo anulado por fora de jogo de N'Kama que "fez a bola embater em Marcos António e entrar na baliza de Alfredo." Assim, o jornal do clube considerava que tratou-se de "uma deslocação posicional que está no critério do árbitro julgar. É evidente que se o clube que beneficiasse deste lapso fosse outro, tudo seria diferente e poucos se importariam com isso. O árbitro sancionaria o lance e o fiscal de linha fecharia os olhos. Mas como se trata do Vitória, meus amigos, eles não perdoam nada."

A partir daí, segundo o Notícias de Guimarães "tudo aconteceu em catadupa. Foram as expulsões de Kipulu (o árbitro até estava de costas) e de Barny (talvez em jeito de compensação). Foi o espectáculo teatral do guarda-redes Alfredo, que com a atitude não permitiu a realização dos minutos finais. Foi, sobretudo, a reacção natural do público que começa a ficar saturado de ver a sua equipa prejudicada pelas arbitragens". Esta função a cargo de Vítor Correia que mais uma vez decidiu sempre contra o Vitória no decurso do jogo, como sucedeu quase sempre na sua carreira.

Quanto à dita reacção, segundo o Acórdão do Conselho de Disciplina, passou pelo facto de a "massa associativa do Vitória S.C. concentrou-se junto da rede da vedação, rebentando-a em vários sectores. Porém, a força policial impediu a invasão de campo que estava iminente. Após o final do encontro foram arremessadas pedras por assistentes afectos ao Vitória S.C. contra a força policial em serviço de policiamento ao campo, tendo uma delas atingido o guarda nº 282/27274, Sr. Luís da Costa Oliveira, no braço esquerdo, provocando-lhe uma equimose."

Além disso, o jogador axadrezado Frederico terá sido atingido por uma pedra, enquanto Alfredo, supostamente, terá sido ferido, sendo que "durante uns vinte minutos, quer os árbitros quer os atletas que intervinham no encontro, tentaram cerca de uma dúzia de vezes reiniciar o desafio, sempre sem sucesso, pois sempre que se aproximavam da área da baliza defendida pelo Boavista os espectadores afectos ao Vitória que se achavam na mencionada bancada situada atrás dessa baliza, arremessavam grande quantidade de pedras para o rectângulo, impedindo que os jogadores, designadamente o guarda-redes, ocupasse o seu lugar."

Contudo, o Vitória rebatia que " o jogo (...) só não foi concluído pela inacção da Polícia de Segurança Pública que não actuou da melhor maneira para pôr cobro aos desacatos” e, por isso, em comunicado a direcção haveria de responsabilizar o Comissário Custódio por não ter dado as desejadas ordens para os seus homens reprimirem a revolta. Assim, concluía que "a PSP prestou um mau serviço a Guimarães e ao Vitória não se importando de prejudicar a grande maioria dos sócios do clube que não mereciam este castigo, porque nada fizeram para o merecer, antes comportando-se ao nível de pessoas civilizadas que o são."

Tendo o jogo sido interrompido e com os vitorianos a serem crucificados na praça pública, o Conselho de Disciplina da FPF seria inclemente com o clube. Aplicaria a derrota de três a zero na partida que não terminara, uma multa global de 400 contos e sete jogos de interdição do, então, Municipal, numa clara tentativa de fazer do clube do Rei exemplo. Uma decisão mal fundamentada, tal como Barroso da Fonte referia em artigo de opinião, "Lemos os quesitos e, nas suas longas páginas, sempre se salientou o papel hilariante do guarda-redes boavisteiro, mais vocacionado para o teatro do que para o futebol. Ninguém o puniu, antes foi aplaudido pela vitória administrativa, recebendo, certamente, o prémio desse triunfo de secretaria."

Mais do que isso, continuava, "ressaltou sempre a incompetência do árbitro que não quis, não soube e não se atreveu a recomeçar o jogo, fugindo para as cabinas sem ter tido o cuidado de convidar os atletas a sair à sua frente. Foi unânime em todos os depoimentos a tónica de que a PSP foi a grande culpada, por não ter actuado. Mais: no processo consta como afirmação de dirigentes boavisteiros que um alto responsável pela Polícia disse não dar ordens porque os agentes policiais não nasceram para heróis."

O Vitória haveria de recorrer da sanção para o Conselho de Justiça da FPF, tendo provimento parcial. Assim, em vez de 400 contos só pagaria 350 e os sete jogos de interdição passariam a seis... uma decisão única em toda a história do futebol português.

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