Guimarães é uma cidade especial.
Uma cidade em que, para os vimaranenses, os símbolos distintivos desta são sagrados. Entre eles, estará, obviamente o Vitória, um dos maiores símbolos do Berço da Nação, mas outros. Entre eles, as Gulaterianas, festas marcantes da urbe em honra de São Gualter e celebradas no primeiro fim de semana de Agosto. Aliás, a sua ligação ao Vitória numa simbiose perfeita de símbolos, fez com que, durante muitos anos, a equipa principal de futebol dos Conquistadores se apresentasse para a temporada que se avizinhava nesse fim de semana em que, praticamente, não se dormia.
Porém, o momento mais alto e inesquecível destas celebrações, será a comprovação do carácter indómito e inquebrantável de ser vimaranense e que sentimos tantas vezes quando transpomos as portas do D.Afonso Henriques. Um carácter capaz de fintar o impossível!
A história conta-se em poucas mas deliciosas palavras.
Estávamos em finais de Julho de 1947. A cidade já preparada para a sua festa fervilhava. As pessoas anteviam os dias de folia que se avizinhavam. Era o fim de semana de alegria que estava à porta. Entre os diversos números previstos, destacava-se a tourada que iria decorrer na Praça de Touros da cidade, num altura em que esta actividade vivia tempos mais venturosos que os de agora.
Porém, na madrugada de 28 de Julho, o inesperado sucedeu. Na madrugada desse dia, um incêndio haveria de consumir completamente o recinto. Ficaria em cinzas, apesar dos esforços dos bombeiros, e todos os habitantes da cidade descoroçoados, por aquele seu ex-libris estar completamente inutilizado e nada poderem fazer para suster o imparável avanço das chamas.
Contudo, na manhã seguinte, a tristeza e a revolta haveriam de dar lugar à determinação, à abnegação de um povo que jamais se renderá. De boca em boca, foi passando a ideia que se todos se juntassem seria possível ter a Praça pronta. Se todos trabalhassem, ela haveria de estar restaurada no Domingo, dia principal das festas e dia da corrida agendada.
Assim, nesse dia, pelas 16 horas muitos cidadãos da cidade reuniram-se com a Comissão Executiva das Festas, no Grémio do Comércio e uma parte da reunião haveria de entrar na história:
" - «Será possível dentro destes 5 dias construir-se uma nova Praça?
Respondeu-se em coro: "Desde que as madeiras apareçam sem demora e o pessoal se consiga em grande número, tudo se consegue."
De lá saíram todos com uma missão: tentar o que a todos fora de Guimarães duvidavam que fosse possível. Tal começou a ser realidade quando centenas de jovens se juntaram no local onde existira a anterior praça para começarem a recolher os destroços que o fogo poupara, enquanto era montada uma instalação eléctrica para permitir que os trabalhos decorressem durante a noite.
No Toural, colocou-se a "Cabine do Som", destinada a levantar a moral dos trabalhadores e, simultaneamente, a encorajar quem, sem nada pedir em troca, trabalhava incessantemente para reconstruir o que o fogo num sopro destruíra.
Enquanto esses primeiros trabalhos decorriam, no Grémio do Comércio numerosas individualidades, à frente das quais os senhores Comendador Alberto Pimenta Machado, António José Pereira Rodrigues, José Rodrigues Guimarães, Eduardo Torcato Ribeiro e outros, estudavam em todos os seus pormenores o assunto da construção da nova Praça, agregando elementos indispensáveis, dando instruções e prevendo hipóteses, cá fora, pelas ruas, comentava-se com ar alegre, teciam-se louvores, faziam-se promessas, rejubilava-se, enfim, de tanto entusiasmo.
Os sinos, esses, tocavam festivamente, enquanto que durante as noites que duraram as obras, milhares e milhares de vimaranenses cantavam o Hino da Cidade, enquanto as Bandas Filarmónicas dos B. V. de Guimarães e das Oficinas de S. José percorriam as ruas a tocar incessantemente.
Fizeram-se saudações através de poderosos alto falantes, deram-se vivas, afirmou-se bem alto que o querer é poder e que os vimaranenses tudo podem quando querem, como conseguir reerguer uma Praça de Touros em três dias.
Será sempre esse o espírito que nos fará mover e que foi descrito exemplarmente pela Associação Muralha aquando da apresentação da exposição fotográfica destes momentos, em 2022: “Quando a renovada Praça de Toiros ficou pronta para receber a população em festa nos dias aprazados, não foi a festa brava o motivo de regozijo, mas, seguramente, a capacidade de uma comunidade em fintar o impossível!