O Vitória naquela temporada de 2002/03 foi uma lufada de ar fresco no futebol português. Pelo modo descomplexado como se apresentava em qualquer campo, pela qualidade dos artistas, como Pedro Mendes, Nuno Assis, Hugo Cunha ou Djurdjevic que a compunham e, acima de tudo, pelo efeito surpresa causado pelo sistema táctico de 3-5-2 que, a dado momento, parecia funcionar como a descoberta do Santo Graal pelos entendidos do futebol.
Por isso, todos tentavam perceber junto do treinador Augusto Inácio as razões e os segredos por trás de um modelo que colocava todas as peças em movimento, em constante rotação, em permutas posicionais. Contudo, foi um sistema como o treinador reconheceu em entrevista ao jornal Record de 29 de Dezembro de 2002, que "principalmente em Vigo, depois de perdermos 4-0, a comunicação social disse que não era este o sistema que deveríamos utilizar. Só que me pareceu sempre o melhor para o Vitória."
Explicaria, depois, que " foi nas férias que comecei a engendrar este sistema", inspirado no que já tentara no Marítimo e nas características dos jogadores vitorianos que iria ter em mãos. Deste modo, "Comecei a ver as características dos jogadores (o Bessa gosta de subir, o Rogério não é tão eficaz a atacar, mas defende melhor e encaixa bem com o Cléber e o Ricardo, o Nuno Assis gosta de jogar solto, o Pedro Mendes também gosta de avançar, o Romeu dá mais jeito a ponta-de-lança) e cheguei à conclusão de que me bastava encontrar mais um ou dois jogadores para completar o puzzle." Puzzle, esse, que, inicialmente, suscitou dúvidas no encaixe de algumas peças, pois, "Não sabia se o Djurdjevic fazia todo o corredor esquerdo (e daí o Marcinho, que tem um bom pulmão) e a resposta que dariam as várias opções para o lado direito. Experimentei, pensando em manter uma alternativa até começar a ver que aquilo poderia resultar."
Além destas questões nas alas, a surpresa residia na frente de ataque. Com efeito, apesar de admitir que o modelo de jogo permitia a colocação de um avançado posicional, tipo Jardel como o treinador referiu, a verdade é que " acho que somos mais eficazes com dois homens soltos na frente, do que com uma referência fixa, que poderá facilitar a manobra do adversário em termos de marcação. A mobilidade do Romeu proporciona outro tipo de situações que, a jogar nas alas, não surgiam. Segura bem a bola e é o melhor jogador do Vitória a tabelar, por fazê-lo no momento certo."
Com uma equipa tão frenética, tão apaixonante, mas, ainda em aperfeiçoamento, "Quem sofre com isso é a defesa. É evidente que sofremos golos por culpa nossa, mas outros devem-se a perdas de bola na saída para o ataque, que apanham a nossa defesa desprevenida. Por isso digo que ainda não somos uma grande equipa: falta-nos a noção de que é preciso circular bem a bola a sair para o ataque. Falta-nos maturidade para retardarmos os lances ofensivos quando o adversário está organizado."
Não obstante isso, logo no início manifestou aos jogadores a identidade da equipa, pois, logo no início da pré-temporada "... tive uma conversa muito clara com os jogadores e disse-lhes: meus amigos, a partir de agora vamos ter só um sistema de jogo, fora ou em casa. Por isso, em todos os treinos se adoptou o mesmo sistema, para que cada um soubesse o que tinha de fazer e estivesse preparado para mudanças de jogadores. Só fiz treinos nessa base. Se, por qualquer motivo, tiver de alterar o sistema para dois centrais, não vai ser fácil."
Esta filosofia de jogo que para sempre ficará na história de quem a ela presenciou, devia-se a um simples facto. Na verdade, como assumiu, "...comecei a pensar que é melhor ganhar por 4-3 ou 5-4 do que ganhar 1-0 e manter essa vantagem com unhas e dentes. Nós também temos de contribuir para uma mudança de mentalidade que leve as pessoas a gostarem mais do espectáculo futebol. "
E quem aqueles espectáculos assistiu, ficou para sempre com eles marcados... terá sido um dos anos em que a personalidade vitoriana mais ficou vincada pelos campos por onde passou!