I - Aconteceu tudo à velocidade da luz. Ainda que os indícios estivessem lá todos. Desde logo, os sucessivos programas televisivos em que Rui Borges foi adulado, exaltado, transformado na última bolacha do pacote... o que até vistas as coisas não será assim tão difícil, atendendo à tríade de técnicos que estavam a trabalhar nos três clubes mais titulados e a um Carvalhal que prometeu uma grande carreira mas que, no fundo, nunca a fez descolar. Depois disso, os sucessivos artigos jornalísticos sobre o Vitória, que merecendo todos e mais alguns, só se focavam nos pontos positivos, esquecendo que, infelizmente, os Conquistadores estão uns pontos aquém do que realizaram na temporada passada.
II - Contudo, como foi tudo se desencadeou demonstrou a perfídia do ser humano. Desde logo, o desprezo absoluto pela instituição Vitória Sport Clube, com a bomba a deflagrar duas horas antes do jogo que os Conquistadores iriam disputar contra o Nacional. Uma atroz falta de respeito, personificada no enxame de repórteres fotográficos a tirarem fotografias ao treinador na última vez que se sentou no banco do clube do Rei. No fundo, o comprovativo, se tal fosse necessário, que em Portugal só interessará salvaguardar e respeitar os interesses de três emblemas, sendo os demais "carne para canhão."
III - Porém, Rui Borges nessa noite não ficou bem na fotografia, se mantivermos a metáfora imagética. Não sendo uma análise ao seu trabalho, se fosse guarda-redes teria "defendido para a fotografia." O modo pouco pragmático como fez as substituições, a colocação inesperada e desnecessária do jovem Dieu-Merci na esperança que um momento feliz do jogador elevasse o treinador ao nível de um Midas demonstraram que já estava a pensar mais nele que nos interesses vitorianos. A acrescer a isso, a conferência de imprensa em que deu o dito por não dito, foi de um calculismo que os vitorianos não mereciam... ou, alguém, que não ande neste mundo há dois dias, acreditará que não sabia do que se ia passando?
IV - E tal, baterá certo com a frase hoje proferida por António Miguel Cardoso, que quando lhe perguntaram se não podia obrigar o técnico a ficar os trintas dias do pré-aviso de despedimento, respondeu que quando alguém quer sair, é melhor fazê-lo cinco minutos antes. Em nenhuma função há milagreiros. Em nenhuma tarefa existirão homens providenciais. No futebol, nem presidentes, nem treinadores, nem jogadores! E, alguém com a cabeça em outro banco e, ainda para mais, daqui a uma semana a ter de enfrentar a futura entidade patrimonial poderia ter efeitos perniciosos e enxamear o símbolo do Rei em insuspeições, infundamentada, mas desagradável.
V - Contudo, faltam saber pormenores, principalmente, acerca do acerto das negociações com o Moreirense, que supostamente tinha direito a 50% do valor da transferência. Cardoso referiu que é um pouco menos, mas foi evasivo no que é o pouco menos. Quanto efectivamente valeu a transferência do treinador? Sendo certo que é usual em qualquer clube pagar-se para despedir treinadores, tal terá de ser visto como uma receita extraordinária... que poderá ajudar a permitir que no próximo mês alguns dos jogadores mais importantes da equipa se mantenham nela, ou que, pelo menos, o seu preço possa ser regateado com maior eloquência.
VI - Por isso, urgia escolher um novo treinador. Falou-se em Luís Pinto, técnico do Tondela, a dar nas vistas, mas a verdade é que pela sua juventude seria uma aposta de risco. Alvitraram-se nomes como Ricardo Soares, Luís Freire e Daniel Sousa. Seria este o último escolhido para hoje ser apresentado. Cremos que terá sido a melhor das escolhas. É jovem e ainda ambiciona afirmar-se. Vem de uma novelesca experiência no clube rival e esse sentimento de mostrar o quão mal foi tratado poderá ser um combustível super. Além disso, perfilha a filosofia de jogo de Rui Borges, atendendo a que seria um erro apostar num técnico que alterasse todas as rotinas construídas pelo anterior técnico nestes seis meses.
VII- Assim, queremos crer que Daniel Sousa poderá ser o homem certo num lugar apetecível, como o próprio confessou. Um lugar que o fez esquecer o sonho de trabalhar no estrangeiro. Um lugar que lhe permitirá disputar todas as competições que realmente interessam. E isso fará desta sua aventura vitoriana maior desafio da sua muito jovem carreira. Que seja feliz!