AQUELE JOGO COM O SPARTA...

O Vitória estava de regresso às competições europeias.

Depois da aventura anterior ter sido demasiado curta, com os Conquistadores a caírem aos pés do Aston Villa, a participação na prova europeia de 1986/87 prometia dificuldades.

Com efeito, como tantas vezes tem acontecido com os desígnios do sorteio, ao Vitória calhou uma das equipas mais fortes do, então, desconhecido leste europeu: o Sparta de Praga, base da selecção da, então, Checoslováquia, que contava com nomes como o guarda-redes Stejskal, o médio Chovanec ou o avançado Tomas Skuhravy que viria a ser dos melhores marcadores do Campeonato Mundial de 1990.

Porém, o Vitória na primeira mão, na bela e, então, enigmática Praga foi um verdadeiro campeão...do sofrimento. Aguentou os ímpetos adversários, e, mesmo depois de sofrer um golo, teve a frieza e eficácia para igualar a partida, por intermédio de Roldão.

Numa altura em que "os golos fora valiam a dobrar", todos os sonhos eram possíveis na segunda mão em Guimarães.

Naquela Quarta-feira, dia 01 de Outubro de 1986, Guimarães parou. Ainda com o estádio desprovido de iluminação artificial, a partida disputou-se durante a tarde, debaixo de um calor tórrido. Um calor incapaz de cercear os ânimos dos vitorianos que encheram o estádio, deixando lojas de comércio fechadas, escolas sem alunos e fábricas sem laborar... O amor ao Vitória tudo há-de sempre justificar!

Porém, a empreitada foi dura e árdua e por isso mais saborosa. Os checos, como já dissemos, eram do mais difícil que o Vitória podia enfrentar. Talvez, a equipa mais dotada que o Vitória encontrou naquela caminhada em que se sonhou com um título europeu... ainda que as mais belas fantasias acabassem por congelar na inopinada e indesejada neve de Monchengladbach.

A comprovar isso, a primeira parte de estudo mútuo, sem golos, de excessivo respeito, de medição de forças de duas extraordinárias equipas que, na altura, comprovaram merecer pertencer à nata europeia.

A segunda metade foi diferente. Foi emoção, trepidação, feita de batimentos cardíacos descoordenados, acelerados, descompassados, uma montanha-russa imensa de sentimentos antagónicos. Foi a exaltação do vitorianismo!

Na verdade, não há beleza nem júbilo na centenária história vitoriana sem sofrimento. De cabeça, citaremos diversos momentos em que tal ocorreu. Assim, também sucedeu, naquela tarde estival, em que o Verão também quis surpreender o Outono. Na verdade, o golo de Novak, no início da segunda metade, parecia demonstrar que a lógica do mais forte ia imperar. O gélido sentimento da equipa de leste ia derreter o ardor daquela equipa de futebol rendilhado, de "toca e foge", que queria professar o "tiki-taka", quando o mesmo ainda não encontrava espaço para se espraiar nas descrições dos teóricos da "bola" ou nos dicionários.

Porém, do troar de um povo fez-se vontade.. desejo... crença. O Vitória lançou-se para a frente, embatendo, de modo entusiasmado, contra o último reduto adversário. Como haveria de suceder muitas vezes nesse ano, o herói foi o esperado. Paulinho Cascavel que empatou a contenda à entrada do último quarto de hora em lance duvidoso (alguma vez, os árbitros tinham de, em caso de dúvida, beneficiar a equipa do Rei.... bolas!), para incendiar os corações passados alguns minutos!

O estádio tornou-se um vulcão de abraços, de beijos, de gritos desafinados mas apaixonados de Vitória e de permanente urgência e inquietação com vitorianos a cederem às emoções de um desafio apaixonante, mas jamais ao amor ao Vitória! Uma das mais belas páginas da história vitoriana acabava por ser escrita...

PS - O escriba com cinco anos, contra a vontade, foi retido em casa.

Numa altura em que os jogos do Vitória não eram transmitidos pela televisão, no seu sofrimento infantil, desligou o rádio quando ouviu o golo do adversário.

Apenas soube (e não acreditou) no resultado, quando o seu pai, eufórico, chegou a casa!

Um modo muito feliz de ser vitoriano na inocência...

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